Tem uns semáforos que parecem gostar da gente e tratam você como se fosse um grande amigo. Por mais que você tente, o sujeito nunca está verde: ele faz questão da sua presença. Mal vê seu carro, muda para vermelho e espera. Perto do hospital tem um semáforo desses. E perto do semáforo tem uma menina. A menina que vende flores.
Final de tarde, saindo do consultório, eu e meu semáforo naquela troca de silêncios que marca as velhas amizades, a menina das balas veio bater na janela. Na frente, um engarrafamento entupido de fumaça; em volta de tudo, um frio de rachar. E a pequena vendedora ali, saltitante, sorridente. Você comprando as flores ou não. E me vi divagando sobre a última paciente do dia, uma senhora cheia de dores e desânimos.
– Ah, doutor. Dói tudo. Aqui na pá das costas, no pescoço, nos ombros, na canela… Um tempo atrás andei correndo atrás disso e o médico disse que era uma tal de síndrome do túnel do carpo com bursite, artrite e tendinite e inflamação dos ligamentos da coluna… Mas as dores foram só piorando.
– Hum.
– Fiz todos os exames e tomei de tudo. Tudo quanto for remédio que o senhor pensar, mas nada resolveu. Antiinflamatório, analgésico, corticóide, fisioterapia, infiltração…
Mas a verdade era que a mulher estava sofrendo de uma combinação de males modernos: uma salada de Fibromialgia e colheradas de Síndrome do Burnout.
A Fibromialgia é um distúrbio comum e misterioso, mais freqüente em mulheres entre os 30 e 50 anos de idade. Ainda não se conhece sua causa exata. A teoria mais aceita diz que a doença é causada por baixos níveis de um hormônio chamado Serotonina, uma substância importante na regulação da dor e do padrão de sono.
As manifestações mais comuns da Fibromialgia incluem dores, fadiga, desânimo persistente, dificuldade de concentração, irritabilidade, depressão e perda de memória. Além disso, pessoas com Fibromialgia possuem uma incidência maior de dores de cabeça, crises de vertigem, insônia, dormências, alterações intestinais e problemas menstruais.
A Síndrome do Burnout, por sua vez, está relacionada a um estado de desgaste do organismo. O próprio nome do distúrbio deriva de um termo em inglês, burn out, que significa algo como “combustão completa”. As pessoas afetadas se sentem sem energia para fazer coisa alguma, como se a bateria tivesse simplesmente acabado.
Os cientistas ainda não identificaram uma causa específica para a síndrome do Burnout, mas após extensas pesquisas eles foram capazes de apontar as principais situações que podem resultar na doença: excesso de carga de trabalho ou trabalhar sem objetivos definidos; viver um conflito entre seus valores e os valores do local onde você trabalha; angustiar-se profundamente por situações fora da sua capacidade de controle; ou forçar a si mesmo para fazer com que o impossível aconteça. Alguma das carapuças coube por aí?
Tanto a Fibromialgia quando a Síndrome do Burnout possuem diagnóstico essencialmente clínico. Não existem exames laboratoriais específicos. Por exemplo: para que o diagnóstico de Fibromialgia possa ser levado em conta, as dores musculares devem estar presentes por pelo menos 3 meses consecutivos, acometendo mais de 11 de uma lista de 18 pontos dolorosos específicos no corpo.
Para controlar os sintomas, as medida terapêuticas mais importantes incluem praticar exercícios regularmente, aplicar compressas mornas ou massagens sobre os músculos doloridos, e fazer acupuntura e exercícios de relaxamento ou alongamento.
Algumas pessoas com Fibromialgia e Síndrome do Burnout podem necessitar de tratamento medicamentoso, mas nenhuma droga isoladamente será capaz de aliviar todas as manifestações.
Uma buzinada me alertou: sinal verde. Engatei a marcha e segui em frente, mas com a alegria da pequena vendedora na cabeça. A partir de hoje, a cada paciente que chegar boiando em um mar de dores de ansiedade, fadiga e Fibromialgia, vou lembrar daquela felicidade em miniatura e sua caixa de sapato cheia de balas e chicletes.
Será que um dia os navegantes mais abastados, consumidos em auto-piedade e depressão egoísta, conseguirão aprender a ver o mundo daquela maneira, como se a vida fosse uma enorme e delicada flor?
Porque ela – a vida – não é nada, mas apenas e tão somente isso.
Alessandro Loiola – Médico, escritor e palestrante, autor dos livros “Vida e Saúde da Criança” e “Crianças em forma: saúde na balança” – Amigo e colaborador do Cada Dia.
*Título original: “A menina das balas e o mar de dores”.