Quando eu tinha oito anos, pensava que ia dar um tiro na cabeça assim que chegasse aos 40; para mim parecia evidente que ninguém tão velho assim ia poder divertir-se com coisa alguma.
Agora tenho 40 anos e gostaria de dar um tiro em todas as pessoas que alimentam o mito de que meia-idade é tempo de desânimo, especialmente para as mulheres. Embora isso tenha constituído para mim uma enorme surpresa, eu encontro muitas razões para adorar ser de meia-idade.
Já atingi algumas certezas. A juventude é toda especulação (Como será isto? Como parecerá aquilo?), e eu trocá-la-ia em qualquer altura pela experiência. Gosto da capacidade de compreensão que a idade nos dá. Gosto de observar as crianças quando aguardam algum novo acontecimento, sabendo o que elas sentem. Gosto de olhar as mulheres grávidas, podendo partilhar seus sentimentos desencontrados. Gosto de me sentir familiarizada com as coisas que em outros tempos me provocaram apreensões. Gosto de não sentir medo de mostrar minha ignorância e pedir ajuda. Gosto da confiança que a meia-idade dá.
Com a meia-idade veio-me um sentimento de controle: controle sobre mim própria. Quando eu era mais jovem, perdia a cabeça espetacularmente pelo menos uma vez por dia; depois, eu ficava pensando como é que tal coisa podia ter acontecido, e o meu remorso era pior que minha fúria anterior. A idade me deu uma meia-trava nisso: de fato eu continuo com tão mau feitio como antes, mas, de modo quase milagroso, sou capaz de decidir se vou berrar ou não.
Acho que nem uma só vez nas últimas semanas (vá lá, horas) cheguei a dizer: “Eu abomino!” Há realmente poucas coisas que eu abomine. Isso não me tornou desiludida nem enfastiada do mundo; pelo contrário, deu-me um novo gosto pela discussão. Agora, que não afogo todo o mundo em meu ódio absoluto, posso ver o outro lado da questão… e às vezes até dou o braço a torcer.
Sinto-me fortalecida e aliviada com a prova patente em meu redor de que as calamidades podem ser suportadas. Coisas houve a que eu pensava ser impossível sobreviver, mas, agora que aconteceram a amigos e conhecidos, eu posso ver como é estranho o trabalho do destino. Maridos foram mortos, bebês nasceram deformados, esposas foram abandonadas, crianças acabaram aleijadas por acidentes, lares foram destruídos pelo fogo. Eu vi, ouvi, chorei e pensei, isto é demais para um pessoa poder agüentar… e depois fiquei surpreendida ao ver que a felicidade pode ser reconstruída a partir do inferno do desespero. Agora que as tragédias surgem por todo lado e eu tenho algo que temer, na verdade sinto menos medo.
As crianças pequenas esgotavam-me e preocupavam-me (todos aqueles anos de perguntas e pedidos cansativos) e, agora, eis os bons tempos. Posso sentar-me à mesa, jantando com minha família em volta, e conversar simplesmente, em vez de ter de agir como um fiscal o tempo todo. Imagino com estranho prazer que a casa vai ficar vazia durante sete horas, e que às quatro da tarde eu até vou ter vontade de voltar a vê-los todos. É uma felicidade que meus filhos tenham ficado meus amigos depois de tanto tempo de tirania – não foi um erro, afinal de contas.
Gosto da vantagem que a meia-idade nos dá sobre todas as outras idades; os novos não compreendem os velhos e os velhos não entendem os novos, mas a meia-idade pode comunicar-se com ambos. Acho delicioso esse papel medianeiro.
Mas quem pode gostar de se olhar no espelho e ver pés-de-galinha nos cantos dos olhos, rugas e todos os outros estragos da meia-idade? Este aspecto da meia-idade é certamente o mais duro de aceitar… mas somente se estivermos querendo nos iludir. Para mim, e para milhões de outros, a perda da beleza da juventude não é motivo para lamentações. Primeiro, porque nunca existiu. Mais ainda, quando somos de meia-idade, ninguém tem de nos dizer que a beleza não é tudo – olhando em volta podemos muito bem ver que não é. Sabemos dar preferência ao espírito, ao interesse, à inteligência; temos nossa própria experiência de homens e mulheres que podem ser considerados feios mas cuja companhia preferimos à dos apenas bonitos.
Acho que não existe em mim um simples laivo de ciúme de todas as moças bonitas que vejo, agora que eu própria já não sou jovem; acho que todas são fantasticamente lindas e não têm nada que ver comigo.
O meio de qualquer coisa é sempre o melhor. É como estar no topo de uma ponte em arco: lutamos para subir e podemos cambalear ao descer, mas, de momento, estamos numa plataforma de onde se avista a paisagem mais bela de todas.
Margaret Forster é crítica, biógrafa e romancista Condensado de Sunday Times
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