DEFINIÇÃO DE BIOÉTICA
A bioética é um capítulo da ética. Esta afirmação é muito importante porque estabelece uma ponte, um vai-e-vem entre a tradição ética de 25 séculos com os desafios levantados pela biotecnologia e biomedicina.
Existem dezenas de definições. Cada uma privilegia um conjunto de premissas pelas quais encara os problemas ético-científicos. Daí surgem as diferentes definições com suas respectivas características.
Neste texto, privilegiamos uma definição que parte da palavra: bios – ethos ou ética da vida. Então a bioética, em primeiro lugar, cuida da vida, especialmente da vida fragilizada. Sua tese primeira é o respeito à vida, tomada em suas três modalidades: humana, animal e vegetal, em seu ambiente como o ar, a água, o solo, o subsolo e a atmosfera. Portanto, uma boa definição é esta: bioética é o cuidado das formas de vida em seu ambiente.
Convém destacar nesta definição que se trata da vida e do ambiente cada vez mais investigados pela ciência, pela biotecnologia e explorados pelas políticas consumistas. Desta exploração, talvez a maior vítima seja a própria vida humana; milhões de humanos vivem em más condições de saúde, educação e habitação por falta de políticas justas. Então, a definição acima, tem tudo a ver com a política, sobretudo através do tema da justiça de uma sociedade bem ordenada.
A bioética é, portanto, uma nova maneira de entender a ética; um mundo novo demanda uma ética nova, adequada às novas condições da vida. A ética é desafiada a reinterpretar suas formulações; ou melhor, a bioética é uma nova leitura da ética. Com o advento daquela, esta renasce, renova-se, torna-se nova outra vez.
BIOÉTICA E CIÊNCIA
Um capítulo central da bioética é a discussão da relação entre ciência e ética; apaixonante debate que dura séculos, pelo menos desde Galileu até hoje. A ciência e a ética estiveram em campos opostos, especialmente durante os séculos em que a ética era subordinada à religião. Ainda hoje, setores da ciência resistem à discussão com a ética temendo que ela venha armada de princípios metafísicos previamente estabelecidos; o debate não seria sobre conclusões possíveis para ambas as partes, mas entre um cientista desarmado e um filósofo que chega com a resposta pronta.
Porém, hoje o conflito entre ciência e ética está sendo largamente superado pelo diálogo entre as partes na intenção de aproximar discursos divergentes.
Por seu lado, os cientistas entendem que a ciência se situa num mundo onde há outros saberes: históricos, políticos, psicológicos, filosóficos e religiosos; reconhecem a importância do diálogo para situar as suas descobertas no contexto histórico e humano.
Por sua vez, a ética e as ciências humanas reconhecem o valor da ciência que produziu, e segue produzindo, tantos benefícios na área da saúde, criou extraordinários meios de comunicação pela telefonia, imagem e som, sem falar de resultados extremamente relevantes na pesquisa biomédica.
A ciência está revelando dimensões da biologia humana que outrora incluíamos na lista de mistérios. Os filósofos reconhecem que a ciência tem características libertadoras das energias da natureza e, por isso mesmo, libertadoras do homem, levando-o a viver mais e melhor.
Tudo isto facilita o diálogo de ambos os lados. Ao diálogo ninguém pode chegar com conclusões no bolso; pelo contrário, ele supõe divergências. Não há diálogo entre pessoas que defendem as mesmas teses; no máximo há conversa. O diálogo supõe que as partes divergentes queiram chegar a um possível ponto de consenso.
A ética afirma que a pesquisa científica é livre e da competência exclusiva do pesquisador que segue as normas próprias da área. A conclusão que resultar é da inteira responsabilidade do cientista.
Em segundo lugar, o cientista reconhece que a ética atua num campo vasto e diferente, no espaço humano dos comportamentos, das decisões, das escolhas e do sentido da vida. Por isso, cabe à ética decidir sobre o uso ou não do resultado da pesquisa científica. Não se trata de aprovar ou não a pesquisa ou seu resultado; estes pertencem só ao cientista. Cabe à ética decidir só sobre seu uso. Por exemplo, a ciência já encontrou o caminho da clonagem humana. Cabe à decisão humana usar ou não estes resultados.
A decisão ética a respeito dos resultados da pesquisa, tem dois níveis: o nível pessoal e subjetivo e o nível social e político. No primeiro nível, cabe à consciência pessoal decidir, por exemplo, sobre um aborto anencefálico no nível social e político, cabe ao poder público aprovar ou não o uso dos resultados científicos.
Pode a legislação proibir a pesquisa científica? Em vários países tenta-se criar leis deste tipo. Mas, por tudo o que foi dito sobre a relação entre ciência e ética, esta tentativa é inaceitável. Equivoca-se o legislador ao tentar proibir pesquisas biológicas; incorre no erro que séculos atrás a Igreja Católica cometeu ao coibir autoritariamente pesquisas, como no caso de Galileu.
Olinto Pergoraro – Professor universitário lecionando na UERJ. Possui Doutorado pela Universite Catholique de Louvain – Belgica, membro do Comitê de Bioética do CREMERJ. Autor de diversos livros sobre Ética e Bióetica entre eles o Ética e Justiça e Ética e Bioética