A grande lição que o Sr. Francisco Borges me deixou foi: escolha sempre o melhor
Fabriquei a caixinha de luz da foto ao lado quando eu tinha 14 anos. No ano anterior, minha turminha se sentava no fundo da sala de aula para conversar e desenhar. Éramos conhecidos como a “Turma do Automan”, sendo eu o Automan (pessoal dos anos 1980 vai se lembrar do personagem). Não dávamos muita atenção às aulas (exceto às de Ciências e Língua Portuguesa, das quais eu gostava mais). Não deu outra: no fim do ano, alguns dos desenhistas distraídos e eu reprovamos. No meu caso, em Matemática. Foi uma decepção. Meu grande temor foi ter que dar a notícia para meu pai. Surpreendentemente, ele ficou calmo e me disse que as coisas iriam mudar no ano seguinte. E mudaram.
Em 1986 meu pai alugava as máquinas da metalúrgica de um amigo. Com a crise econômica dos anos 1980, ele acabou falindo e tendo que vender a própria metalúrgica. Naquele espaço alugado, fabricávamos peças para minas de carvão, carrinhos de mão e caixinhas de luz. Meu pai havia feito o curso técnico de caldeireiro e era um exímio soldador. Com ele aprendi a soldar, esmerilhar, cortar, prensar e outras tarefas típicas do trabalho com metais. Foi um ano difícil. Eu ajudava meu pai todos os dias à tarde, depois de voltar da escola. À noite, fazia as tarefas escolares. Trabalhávamos inclusive aos fins de semana, quando precisávamos dar conta de uma encomenda maior.
Para mim, foi um exercício de disciplina e persistência. Muitas vezes, quando estava concluindo um lote de milhares de caixinhas de luz (que eu cortava na guilhotina, moldava na prensa, soldava na ponteadeira e pintava em enormes tanques cheios de tinta), lá vinha meu pai com caixas contendo outras milhares. Aquilo parecia nunca ter fim, mas ai de mim se reclamasse!
Quando certa ocasião meu pai me mandou ir à padaria comprar pão e leite no fim do expediente, eu argumentei que estava com a roupa suja, ao que ele respondeu: “É sujeira do trabalho. Você tem que se orgulhar disso.” Que lição! Mas a maior lição viria tempos depois.
Certo dia, depois de uma tarde cansativa de trabalho, quando havíamos embalado milhares de caixinhas de luz, meu pai me olhou nos olhos, pegou uma das caixinhas e me disse: “Viu como é duro trabalhar aqui? Trata-se de um trabalho honrado como qualquer outro, mas você pode conquistar algo melhor. Prefere trabalhar aqui ou levar a sério os estudos?” Nem precisei responder. A lição havia sido mais do que clara. Minhas notas melhoraram muito no ano seguinte e nunca mais parei de estudar.
A grande lição que o Sr. Francisco Borges me deixou foi: escolha sempre o melhor. Não se contente com voos baixos. Olhe sempre para a frente e para o alto. Anos depois, eu conheceria o evangelho e entregaria minha vida a Cristo. Meu pai não era religioso, mas, sem querer, acabou me levando a uma reflexão espiritual com a lição da caixinha: escolha sempre o melhor, e o melhor dos melhores é Deus. Não se contente em viver dentro de uma caixinha quando há um universo fora. Saia da caixinha da mediocridade, dos sonhos pequenos, do aqui e agora. Olhe para a frente e para o alto!
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Michelson Borges – Jornalista, Pastor