Estatísticas de vários países apontam para o fato de que um em cada dois casamentos contraídos hoje terminarão em divórcio. Não existem, até o momento, dados brasileiros, mas imagina-se que estamos próximos disso. Relativamente incomuns até os anos 50, o número de divórcios começou a crescer nos anos 60 e principalmente a partir da década de 70. Há várias explicações sobre esse fenômeno, mas parece claro que as pessoas passaram a pensar mais na própria felicidade e realização afetiva e menos nas regras sociais. Homens e mulheres estão mais abertos a questionar as estruturas sociais e religiosas que exigiam casamento eterno, e as razões anteriormente aceitas para a separação, como crueldade, violência, adultério, não são mais necessárias: basta que os casais percebam que não existe mais amor suficiente para mantê-los juntos.
Entre as diferentes preocupações que psicólogos e psiquiatras têm sobre esse assunto estão a saúde mental e o bem-estar psicológico de filhos de pais separados. De fato, problemas dessa natureza ocorrem em aproximadamente 30 a 40% das crianças, três vezes mais do que acontece quando os pais que vivem juntos.
Uma análise superficial poderia indicar que a separação em si é um mal para os filhos. Mas as coisas não são tão simples assim. Vários estudos têm demonstrado que crianças que presenciam uma relação conflituosa entre seus pais, seja por um casamento silencioso, sem diálogo, ou com brigas e agressões constantes, têm mais problemas de ajustamento do que os filhos de pais separados. Sendo assim, manter um casamento falido por causa dos filhos pode implicar consequências piores do que uma separação.
Problemas mais frequentes:
Certos fatores influenciam a ocorrência de questões complicadas na vida das crianças cujos pais se separaram. Conheça alguns deles:
Pouco contato com o pai/mãe que não tem a custódia dos filhos. Um estudo americano mostrou que 50% dos que moravam com a mãe não tinham contato com seu pai há pelo menos um ano.
Apenas 17% das crianças viam o pai no mínimo uma vez por semana.
Meninos que mantêm pouco contato com o pai podem crescer menos competitivos, menos interessados em esportes, mais dependentes e medrosos e mais agressivos.
Meninas sem contato com o pai tendem a apresentar dificuldades no desenvolvimento da sexualidade e no modo de se relacionar com adultos do sexo masculino.
A falta de apoio do ex-marido. Estudos revelam que uma das melhores pistas para prever um ajustamento satisfatório das crianças após o divórcio é um bom diálogo entre seus pais. Mais do que isso, mães que recebem pouco apoio emocional e econômico de seus ex-maridos têm menos ferramentas para cuidar de seus filhos de forma tranquila, aumentando a insegurança das crianças (na medida em que ela própria se sente extremamente insegura).
Outros fatores, como alcoolismo ou dependência de drogas, doenças mentais graves, pais violentos ou que abusam de seus filhos, influenciam igualmente o desenvolvimento psicológico dos pequenos, mas lidar bem com a separação é, certamente, um caminho para um amadurecimento saudável.
O divórcio, portanto, não significa, por si só, um indutor de problemas ou riscos. Muito mais importantes são a qualidade e a intensidade da relação afetiva entre pais e filhos, geralmente resultantes de um adequado entendimento e respeito do ex-casal.
Esclareça algumas de suas dúvidas:
Embora não existam receitas pré-fabricadas e cada família deva buscar sua forma de lidar com a separação, algumas questões práticas merecem ser esclarecidas.
É possível obrigar o pai a estar presente quando ele não quer?
Insistir para que um pai veja o filho sem que ele o deseje é inútil e poderá levá-lo a afastar-se ainda mais ou adotar uma presença exclusivamente formal. É preciso que ambos – pai e mãe – compreendam que a criança não será a única beneficiada com esse contato. Manter o pai informado sobre suas atividades e possíveis dificuldades, por meio de fotos, cópias do boletim, festas, reuniões da escola, facilita a proximidade entre eles.
É possível eleger um tio, avô ou outro homem como figura paterna?
Quando a ausência do pai é inevitável, muitas vezes as mães até conseguem ser pai e mãe ao mesmo tempo, mas isso não é suficiente, além de sobrecarregá-las. O contato com pessoas do sexo masculino (avós, tios, amigos da família) que possam desenvolver uma relação carinhosa e de confiança com a criança pode oferecer modelos de afeto importantes, suprindo, em parte, a ausência do pai e fazendo com que a mãe se sinta mais apoiada.
Para compensar a carência do pai ou da mãe deve-se deixar a criança fazer de tudo?
Essa atitude pode ser uma armadilha para todos. O pai – ou a mãe – que se transforma na fonte da resposta positiva para todos os desejos, da liberdade de deixar fazer o que o outro proibiu rapidamente ficará desacreditado. O ideal é que os pais conversem a sós – longe da criança – e estabeleçam regras comuns. Afinal, os papéis de pai e mãe não se perdem numa separação, e, quanto mais coerentes eles forem, melhor o filho reconhecerá a manutenção e estabilidade desses papéis. Lembre-se de que a palavra disciplina deve ter o sentido de educar, instruir, e não servir como um exercício de força e agressividade contra o outro.
Filhos são o reflexo de nosso comportamento:
Ouvir os filhos e ser capaz de perceber suas necessidades é fundamental. Crianças também aprendem por imitação. Tendem a repetir o comportamento dos adultos e percebem rapidamente como lidamos com nossos próprios conflitos, responsabilidades e relações. Por isso, preservar o respeito é fundamental: pelo ex-marido, pela ex-mulher e pelos filhos individualmente. Eles são pessoas em formação, muitas vezes diferentes dos pais e, portanto, incapazes de suprir suas expectativas.
Além da liberdade excessiva, fuja de atitudes inadequadas à adaptação ao divórcio:
Não transforme seus filhos em pequenos adultos dando-lhes tarefas que estão acima de sua capacidade, como cozinhar ou assumir afazeres domésticos complicados.
A criança mais velha não deve ser alçada ao posto de corresponsável, ou até totalmente responsável, pelo filho menor quando a mãe tiver de sair.
Evite discutir a fundo problemas financeiros, pessoais ou brigar na presença dos filhos.
Procure não comentar com eles intimidades afetivas e sexuais com novo (a) namorado (a).
Namorar não é pecado!
Depois do divórcio, sair com outras pessoas e ter novos namorados é legítimo e natural. Afinal, a vida pode ser bela! Todos têm o direito de recomeçar, entretanto é preciso delicadeza no trato com os filhos, ainda abalados pela separação. A obrigação dos pais é atravessar esse momento com tranquilidade e equilíbrio, evitando passar por cima das dificuldades das crianças, também legítimas e naturais.
Mentir dizendo que vai à igreja (às 10 da noite?) ou à casa de uma amiga (tão perfumada e de roupa nova?) não dá certo. Os pequenos logo percebem e sentem-se logrados. O fato de sair e ter um (a) novo (a) namorado (a) deve ser dito aos filhos de maneira clara, mas sempre se lembrando de assegurá-los de que suas necessidades afetivas não serão negligenciadas.
Cuidado com o encantamento inicial de um novo relacionamento ou com as grandes paixões. Isso pode levar as crianças a ter a falsa ideia de estarem atrapalhando, roubando o tempo que você teria disponível para o (a) novo (a) parceiro (a).
Vá com calma na convivência. Evite que o (a) novo (a) namorado (a) vire membro efetivo da família cedo demais, transformando-o (a) em figura permanente nas atividades das crianças. Elas podem precisar de mais tempo para assimilar a nova situação.
Um envolvimento muito rápido pode violar a privacidade de seus filhos. Mesmo que a inclusão do (a) novo (a) parceiro (a) já seja possível, mãe e pai devem ter períodos de exclusiva intimidade com os filhos.
A maioria das crianças se adapta ao divórcio dos pais e evolui bem, desde que as condições básicas sejam oferecidas. Crianças e adolescentes têm problemas e nem tudo é culpa daquele seu ex-marido inútil, de sua ex-mulher irresponsável.
Procurar ajuda é uma questão de bom senso e sensibilidade. No entanto, algumas mudanças de comportamento nas crianças são bons indícios de que está na hora de ouvir os conselhos de um profissional. Entre esses sinais estão: o decréscimo acentuado no rendimento escolar; agressividade física ou verbal com irmãos, outras crianças, adultos ou animais; depressão ou verbalização constante sobre a morte; comportamentos obsessivos como limpeza exagerada, checagens excessivas, necessidades repetidas de tocar várias vezes em objetos; alteração importante de peso ou do apetite para mais ou para menos.
A ocorrência de algum desses comportamentos é a senha de que seu filho não conseguiu assimilar e elaborar a nova condição familiar e, por isso, precisa de ajuda especializada. Muitas vezes a orientação dos pais por parte de um psicoterapeuta ou mediador evita alguns dos erros discutidos acima e, com isso, o sofrimento de todos os envolvidos. A separação é uma perda, a perda da unidade familiar, e sentir a dor dessa perda é necessário. Afinal, como sugere Mahoney, não há caminhos na vida sem problemas ou dor, existem perdas e dores muitas vezes necessárias.
Táki Athanássios Cordás – Professor, Psiquiatra, doutor e mestre pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.