O objetivo deste texto é desenvolver uma reflexão a respeito de uma ação educativa popular, em uma das maiores favelas da América Latina, situada no Rio de Janeiro, baseada na premissa filosófica de Jacques Rancière, da igualdade das inteligências e da emancipação intelectual. Acredito que esta noção apresenta indícios de uma análise crítica, subversiva à lógica da ordem explicadora, difundida pela sociedade capitalista moderna, que pedagogizou-se sob o discurso de que, com isso, poderia levar luzes aos que viviam na obscuridade.
Aproximando a proposta de Rancière das práticas curriculares de um movimento social de Educação Popular do qual sou participante-pesquisador, o Pré-vestibular Comunitário da Rocinha (PVCR), é possível perceber que a problemática da emancipação intelectual não só se faz presente nesse cotidiano, como também, se consubstancializa nas ações dos alunos, professores e coordenadores, que têm se questionado bastante a respeito dos métodos de ensino.
Os métodos têm sido considerados como instrumentos dos quais os iluminados, sábios da ciência se servem para elevar os indivíduos ignorantes, levando-os ao encontro do saber superior; o saber científico. São uma tentativa de implantação de mecanismos que deem conta de um ensino universal, que possa instruir uma grande quantidade de pessoas ao mesmo tempo, homogeneizando a forma de raciocinar e funcionando como antolhos que não permitem enxergar nem percorrer outros caminhos. O risco para aqueles que ousem subverter (e os sujeitos sempre o fazem) essa lógica é o de serem acusados de levianos ou até de profanadores dos cânones científicos. No PVCR, os atores sociais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem encontram-se num constante conflito entre esses dois polos.
Fundamentado em bases contraditórias, porém complementares, esse movimento de educação popular ao mesmo tempo em que prepara os alunos, através de alguns treinamentos, para os exames do vestibular, almeja que estes, a partir da reflexão-ação, construam redes de intersubjetividades emancipatórias. Através de um eixo programático criado com a intenção de integrar temas políticos e sociais para problematizar a situação existencial do grupo (que vive em contextos cuja violência urbana se faz constantemente presente) e a sociedade em geral, pretendemos desenvolver uma escolarização diferenciada, para que, ao chegarem às universidades, os alunos estejam dispostos a entrar nos embates pela democratização do acesso ao ensino superior e da própria sociedade.
O resultado dessa experiência tem demonstrado que a ideia de igualar as camadas populares da sociedade às outras pelo saber imposto não se sustenta. Ao omitir a igualdade da potência de inteligência humana, que permite a todos aprender a partir da vontade, tal concepção nega e tenta invisibilizar os saberes e as práticas dos indivíduos oriundos desses grupos sociais. A premissa da emancipação intelectual é uma possibilidade de questionamento e de subversão desse modelo.
Rodrigo Torquato – Professor universitário, mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação na UERJ, membro do grupo de pesquisa Redes de conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar do Laboratório Educação e Imagem da UERJ.