Quando nos preparamos para a maternidade e a paternidade dificilmente nos programamos para a fase em que os filhos terão menor necessidade de nossa companhia. Mas certamente haverá um momento em que nos sentiremos obsoletos, quando não seremos mais os principais heróis deles, que nos substituirão pelos namorados, pelos amigos e até mesmo pela solidão curtida no quarto onde os adolescentes extravasam suas dores, alegrias e raivas. É a fase em que as paredes sabem mais dos nossos filhos do que nós mesmos.
Pois é, ser obsoleto não é realmente fácil, sobretudo se nunca pensávamos que isso pudesse acontecer ou se não tivermos outras motivações na vida que preencham o possível vazio que pode se instalar no coração. Pode dar uma sensação de que não fomos suficientemente bons para permanecermos sendo os personagens principais na história de vida dos filhos. Pode dar uma sensação de abandono, e muitos pais neste momento começam a atuar com cobranças que geram uma culpa enorme nos jovens. Eles ficam carregando uma dívida de atenção que não podem cumprir da maneira que os pais desejam porque suas necessidades pessoais têm agora outras fontes de satisfação.
Quando o clima nesse momento de transição da família não pode ser digerido com naturalidade, e fica carregado de cobranças, dívidas e culpas, a espontaneidade acaba ameaçada. E o processo emocional familiar sofre muito, sobretudo se pais e filhos não se tornarem flexíveis para viver essa mudança com negociações eventuais e muita abertura.
Por exemplo: os almoços sagrados em que a família toda se reunia aos domingos podem passar a ser motivo de grande angústia se os pais insistirem que a filha continue praticando esse ritual, no momento em que ela está namorando e é convidada pelo namorado para almoçar na casa dele. Sem dúvida, se os sentimentos desse processo não forem expressos por todos, poderá haver um mal estar generalizado. É necessário abrir o jogo e colocar na mesa o que cada um sente com essa novidade que é a entrada de um namorado na família, mudando os hábitos anteriores.
Sem uma comunicação aberta dos afetos envolvidos nesse processo a trama familiar vai ficando carregada de energias contidas. O pai que não fala para a filha sobre sua dor por vê-la crescendo, reclama insistentemente para a mãe, que fica preocupada com ele e pode passar a agir com a filha motivada por essa preocupação tornando-se rígida no relacionamento com ela. A filha, por sua vez, passa a não entender a mãe e se sente injustiçada por ela. Se houver um irmão nessa história pode ser que ele também passe a receber o retorno desse clima não deflagrado.
Enfim, o meio mais promissor para lidarmos com as dificuldades que enfrentamos é conversarmos sobre elas. A conversação abre novos entendimentos, novos caminhos se constroem e as ligações relacionais podem ser trabalhadas com maior clareza, de modo que todos saibam o que cada um sente ou pensa sobre o outro, sobre o que a conversação sempre abre novas fronteiras para o entendimento.
Ângela Vieira de Albuquerque Martins – Jornalista profissional, formada em Comunicação; Terapeuta Familiar, pós-graduada na PUC-SP, atua na orientação familiar, conduz a coluna De Olho na Criança (Jovem Pan FM).